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Entrevista — Joana Gama — Online

21 NOVEMBRO 2021
11h00 ONLINE

A entrevista tem lugar, no dia e hora marcados, nas seguintes plataformas
The interview takes place, on the scheduled day and time, on the following platforms
Youtube Live + Facebook Live

ENTREVISTA Interview
JOANA GAMA
piano

Das Buch der Klãnge
O Livro dos Sons
The Book of Sounds

Hans Otte (1926–2007)

Um momento de rara luminosidade da criação artística do século XX
A moment of exceptional luminosity in the artistic creation of the 20th century


“Sempre fui uma pessoa obcecada por sons, e nunca deixei de procurar a sensualidade, a clareza. A perceção sensorial dos sons: essa era a minha grande questão.” Hans Otte
‘I was always obsessed by sounds, and never stopped seeking sensuality, clarity. The sensory perception of sounds: that was my great quest.’ Hans Otte


Português

“Em 10 de Maio de 2010 recebi um e-mail de um amigo cujo assunto era: "Hans Otte". O corpo do email continha apenas a frase “Para o caso de não conheceres..." e um anexo do primeiro andamento de “O Livro dos Sons" de Hans Otte. Este foi o início de uma busca pela música e pelo homem por detrás dessa música. Como pianista fiquei fascinado com a quietude da música hipnotizante de Hans Otte e quase desde esse primeiro contacto senti que deveria ser apresentada em Portugal, pois, para minha surpresa, a música de Hans Otte é practicamente desconhecida pelas pessoas que fui abordando ao longo dos anos.” Joana Gama





Hans Otte (1926 - 2007) é uma figura discreta mas incontornável na escrita da história da música europeia. A sua influência na divulgação e criação musical na Europa Ocidental do pós-guerra como Director do Departamento de Música da Radio Bremen foi determinante para afirmação de muitos compositores que hoje fazem parte do cânone, nomeadamente na criação dos festivais Pro Musica Nova e Pro Musica Antiqua. As contribuições de Otte para o campo da arte intermedia e sonora também são múltiplas. Para além de peças musicais, a sua lista de obras contém instalações sonoras, peças de teatro musical, poemas e artes visuais.

Sobre o processo de composição de Otte, escreveu Ingo Ahmels, seu assistente: “Perscrutar a natureza dos sons diretamente ao piano tornou-se o caminho preferido de Otte para a composição, no final dos anos 70, o mais tardar. Ao mesmo tempo consciente e intuitivamente, ele ouve, toca, sente as suas séries de sons, modela-as e reformula-as, inspira-as e volta a expirá-las. Só quando parece ter sido encontrado um ponto de equilíbrio, é que as formas são notadas graficamente na partitura, e, se necessário, novamente questionadas e modificadas. O processo de revisão dialético de Otte ao serviço do desenvolvimento é, em suma, o do Ocidente. No entanto, o compositor reconhece, neste contexto: “Estou grato a John Cage pela chamada de atenção para os sons 'tal como são' [...]: a arte do deixar ir, do deixar ser, do deixar acontecer.”

O compositor, que foi também pianista, aluno de Walter Gieseking, estreou a obra numa manhã de domingo de 1982 em Metz, num evento organizado pelo Goethe-Institut Nancy como parte do festival Rencontres Internationales de Musique Contemporaine. Apesar de lhe ter sido diagnosticado um cancro no Verão de 1983, o compositor tocou a sua obra-prima para piano na Europa, Américas e Ásia até à sua morte, apoiado maioritariamente pelo Goethe-Institut.

Tom Johnson (n. 1939), um dos mais célebres compositores americanos, ficou profundamente comovido quando ouviu pela primeira vez a interpretação de Hans Otte de O Livro dos Sons, em 1982. O artigo que ele escreveu para The Village Voice, intitulado “Piano Man”, é um relato sensível sobre a obra que ainda hoje ressoa: 
"Das Buch der Klänge [O Livro dos Sons] é um conjunto de 12 peças que durou, nessa atuação, cerca de uma hora e vinte minutos. O estilo da obra pode ser considerado minimalista, dado que cada peça está escrita numa textura bastante simples, sem clímax nem desenvolvimento no sentido tradicional. No entanto, há muito pouca repetição exata e muita concentração na harmonia. Também há um saudável respeito pela tradição. À medida que as texturas mudam gradualmente de um conjunto de notas para outro, a música soa de algum modo mais próxima de Chopin do que de Steve Reich. Enquanto os minimalistas americanos se viram como inovadores e tentaram evitar referências ao passado, Otte é um sintetista, reunindo ideias antigas e ideias novas, e fazendo-o de forma inteligente e sensível. [...] 
A composição é dedicada a “Todos aqueles que querem aproximar-se do som, para que, em busca do som, do segredo da vida, descubram a sua própria ressonância.” A minha tradução é assumidamente insatisfatória, mas o sentimento é o apropriado. A peça explora as possibilidades do som a um nível relativamente profundo, e ouvindo-a senti que estava a entrar em contacto com o som, de uma forma que nunca antes tinha experienciado. […]
Não é que o compositor estivesse a explorar novas cores do piano. Quase toda a música se desenvolve na metade direita do teclado, e as texturas também são relativamente convencionais. Quatro das peças (3, 4, 8, 12) são na verdade apenas sequências de acordes, três (2, 7, 9) seguem padrões simples de arpejo, quatro (1, 5, 10, 11) movimentam-se entre duas sonoridades, e uma (6) é apenas uma melodia que podia ser tocada com um dedo. E, contudo, há algo de novo em toda a música. […]”

Em Outubro de 2020, a pianista portuguesa Joana Gama estreou em Portugal a peça Das Buch der Klänge (O Livro dos Sons) do compositor alemão Hans Otte.

English

‘On 10 May 2010, I received an email from a friend with the subject: ‘Hans Otte.’ The body of the email contained only the phrase ‘In case you aren’t familiar with it...’ and a file with the first movement of ‘The Book of Sounds’ by Hans Otte. This was the start of a search for the music and for the man behind the music. As a pianist I was fascinated by the quietness of Hans Otte’s hypnotising music and almost from that first moment of contact, I felt he had to be introduced in Portugal, because, to my surprise, Hans Otte’s music is practically unknown to everyone I have approached over the years.’ Joana Gama





Hans Otte (1926-2007) is a low-profile but essential figure in the history of European music. His influence in the promotion and creation of music in post-war Western Europe as Director of the Music Department of Radio Bremen was decisive in establishing the careers of many composers who now form part of the canon, in particular with the creation of the Pro Musica Nova and Pro Musica Antiqua festivals. Otte also made many contributions in the field of intermedia art and sound art. In addition to musical pieces, his list of works includes sound installations, pieces of musical theatre, poems and visual art.

Describing Otte’s composition process, Ingo Ahmels, his assistant, wrote: ‘Scrutinising the nature of sounds directly on the piano became Otte’s preferred route for composition, by the late 70s, at the latest. Simultaneously attentive and intuitive, he hears, plays, feels his series of sounds, he shapes and reformulates them, inhales and exhales them. Only when he seems to have found a point of balance does he note the forms graphically on the score and, if necessary, re-examines and modifes them. Otte’s process of dialectic revision in the name of development is, essentially, a western process. However, in this context, the composer admits: ‘I'm grateful to John Cage for calling attention to sounds ‘as they are’ [...]: the art of letting go, of letting be, of letting happen.’

The composer, who was also a pianist, a pupil of Walter Gieseking, performed the work for the first time one Sunday morning in 1982 in Metz, at an event organised by the Goethe-Institut Nancy as part of the Rencontres Internationales de Musique Contemporaine festival. Despite being diagnosed with cancer in the summer of 1983, the composer played his masterpiece for piano in Europe, the Americas and Asia until his death, mostly with the support of the Goethe-Institut.

Tom Johnson (b. 1939), one of America’s most celebrated composers, was deeply moved when he first heard Hans Otte’s performance of The Book of Sounds, in 1982. The article he wrote for The Village Voice, entitled ‘Piano Man,’ is a sensitive account of a work that still resonates today: 
‘Das Buch der Klänge’ [The Book of Sounds] is a set of 12 pieces lasting, in this performance, about an hour and twenty minutes. The work could be considered minimalist in style, as each piece is written in a rather simple consistent texture, without climaxes or development in the traditional sense. There is little exact repetition, however, and much concentration on harmony. There is also a healthy respect for tradition. As the textures shift gradually from one set of notes to another, the music sometimes sounds closer to Chopin than to Steve Reich. While American minimalists have seen themselves as innovators and have tried to avoid references to the past, Otte is a synthesist, bringing together old ideas and new ones, and doing so most intelligently and sensitively. [...] 
The composition is dedicated to ‘all those who want to draw close to sound, so that, in the search for the sound of sound, for the secret of life, one’s own resonance is discovered.’ My English translation is admittedly awkward, but the sentiment is appropriate. The piece does explore sound possibilities on a relatively deep level, and in listening I felt I was making contact with sound in a way I never quite had before. […]
It was not that the composer was exploring new piano colours. Almost all the music takes place in the upper-middle part of the keyboard, and the textures too are relatively conventional. Four of the pieces (3, 4, 8, 12) are really just sequences of chords, three (2, 7, 9) follow simple arpeggio patterns, four (1, 5, 10, 11) rock back and forth between two sonorities, and one (6) is merely a melody that could be played with one finger. Yes there is something fresh about all the music. […]’

In October 2020, the Portuguese pianist Joana Gama performed for the first time in Portugal the piece Das Buch der Klänge (The Book of Sounds) by German composer Hans Otte.


Português

Joana Gama (Braga, 1983) é uma pianista portuguesa que se desdobra em múltiplos projetos quer a solo quer em colaborações nas áreas do cinema, da dança, do teatro, da fotografia e da música. Em 2010, na classe de António Rosado, concluiu o Mestrado em Interpretação na Universidade de Évora, onde defendeu, em 2017, a tese de doutoramento “Estudos Interpretativos sobre música portuguesa contemporânea para piano: o caso particular da música evocativa de elementos culturais portugueses” na Universidade de Évora, como bolseira da FCT. Hoje em dia prossegue as suas investigações enquanto membro do CESEM/NOVA FCSH.
No Prémio Jovens Músicos/Antena 2 (PJM) obteve o 1º lugar na categoria de piano – nível superior (2008) e acompanhamento de piano (2005).
Apesar de inicialmente ter decidido dedicar-se à música com o intuito de continuar a herança associada a uma ideia de música clássica - recitais de piano com repertório canónico - uma série de acontecimentos em cadeia foram-na desviando de um caminho que julgava ser o seu. Daí que os últimos anos - para além dos recitais, que continua a ter prazer em fazer - tenham incluído colaborações com Luís Fernandes, João Godinho, Rafael Toral, Drumming GP, Eduardo Brito, Tânia Carvalho, Victor Hugo Pontes, João Fiadeiro, João Botelho, Manuel Mozos, Sopa de Pedra, cujo resultado tem sido apresentado regularmente em Portugal e no estrangeiro.
Desde 2010 que se dedica a divulgar a obra do compositor francês Erik Satie: em 2016, com o apoio da Antena 2, assinalou o 150º aniversário do nascimento compositor com a digressão SATIE.150 e o lançamento do livro "Embryons desséchés" (Pianola). Nos últimos anos tem apresentado em recitais comentados para adultos e crianças à volta da música de Erik Satie e editou ainda os álbuns SATIE.150, HARMONIES e ARCUEIL. Tocou a peça "Vexations" de Erik Satie em três ocasiões: Festival Jardins Efémeros, 2016; Fundação Calouste Gulbenkian, 2018; Atelier Re.al com João Fiadeiro, 2019, em performances que duraram 15h, 14h e 7h respectivamente.
Em Outubro de 2020, num concerto na Culturgest, estreou, em Portugal, o ciclo para piano “O Livro dos Sons” de Hans Otte, dando assim início à divulgação da obra do compositor no nosso país, com o apoio do Goethe Institut.
A sua eclética discografia está presente nas editoras portuguesas Shhpuma, mpmp, Pianola, Boca/Douda Correria e Holuzam, na australiana Room40 e na Grand Piano (grupo Naxos).
Talvez por se ter iniciado na música e no ballet em simultâneo, Joana Gama convoca para o acto de tocar piano uma particular expressividade, como se a postura e os graciosos movimentos que aprendeu na dança lhe tivessem ficado marcados no corpo.

English

Joana Gama (Braga, 1983) is a Portuguese pianist who devotes herself to multiple projects, both on her own and in collaborations, in the areas of cinema, dance, theatre, photography and music. In 2010, taught by António Rosado, she finished her master’s in Performance at the University of Évora and, in 2017, she defended her doctoral thesis on ‘Performance Studies on contemporary Portuguese music for the piano: the particular case of music evoking Portuguese cultural elements’ at the same university, supported with a scholarship from the FCT (Foundation for Science and Technology). Today, she continues her research as a member of the Centre for Sociology and Musical Aesthetics (CESEM/NOVA FCSH).
She won first place in the piano category – higher level (2008) and piano accompaniment (2005) of the Young Musicians/Antena 2 Prize (PJM).
Although she initially decided to devote herself to music with the aim of continuing the legacy associated with an idea of classical music – piano recitals with a canonical repertoire – a chain of events diverted her onto a path that she believed to be right for her. That is why the last few years – in addition to recitals, which she still enjoys performing – have included collaborations with Luís Fernandes, João Godinho, Rafael Toral, Drumming GP, Eduardo Brito, Tânia Carvalho, Victor Hugo Pontes, João Fiadeiro, João Botelho, Manuel Mozos and Sopa de Pedra, the results of which have been presented regularly in Portugal and abroad.
Since 2010 she has focused on promoting the work of French composer Erik Satie: in 2016, with the support of Antena 2, she marked the 150th anniversary of the composer’s birth with the tour SATIE.150 and the release of the book ‘Embryons desséchés’ (Pianola). In the last few years, she has performed in recitals with commentary for adults and children around the music of Erik Satie and also released the albums SATIE.150, HARMONIES and ARCUEIL. She has played Satie’s piece ‘Vexations’ on three occasions: Festival Jardins Efémeros, 2016; Calouste Gulbenkian Foundation, 2018; Atelier Re.al with João Fiadeiro, 2019, in performances that lasted 15, 14 and 7 hours respectively.
In October 2020, in a concert at Culturgest, she played the piano cycle ‘The Book of Sounds’ by Hans Otte for the first time in Portugal, thus sparking interest in the composer’s work in the country, with the support of the Goethe-Institut.
Her eclectic discography includes releases by the Portuguese labels Shhpuma, mpmp, Pianola, Boca/Douda Correria and Holuzam, the Australian Room40 and Grand Piano (Naxos Group).
Perhaps because she started training in music and ballet at the same time, Joana Gama brings to her piano performances a particular expressiveness, as if the posture and graceful movements she learnt in dance have been ingrained in her body.


Português

A pianista Joana Gama interpreta “O Livro dos Sons” (Das Buch der Klãnge, 1979 - 1982) do compositor alemão Hans Otte (1926 - 2007), uma obra-prima do repertório para piano.
Estreada pelo compositor em 1983 - e estreada em Portugal pela pianista em 2020 -, esta obra, pelo seu cunho plácido e repetito, convida a parar e comtemplar.
Divida em doze partes, a obra foi bem caracterizada por Herbert Henck, celebrado pianista que gravou O Livro dos Sons para a editora ECM: “Contenção, clareza, compreensibilidade e despojamento são o cunho desta música.”. E, para além da música, é o próprio compositor que nos guia na fruição desta peça: “É um antigo sonho meu, descobrir a natureza dos sons, e não usar os sons para dizer uma outra coisa.”

"Joana Gama é uma pianista especial, diferente, que investe no seu trabalho uma generosa dose de estudo, de exploração, de experimentação também." Rui Miguel Abreu 7/10/20 (Rimas e Batidas)

"Diz-se isto de muitos artistas. Neste caso é verdade. A Joana Gama é um caso raro. É uma pianista com a versatilidade, abertura e disponibilidade dos grandes. A sua formação é clássica, mas quando ainda estava a acabar a sua formação, percebeu que poderia ir para outros sítios. Foi num desses “desvios” que a conhecemos, em “Quest”, o seu primeiro álbum com Luís Fernandes.
Há quem a conheça pelas maratonas de Satie, outros precisamente por esses desvios. Alguns por tudo. “O Livro Dos Sons”, de Hans Otte, que hoje apresenta na Culturgest, pelas 21:00, tem a virtude de ser um trabalho que pode comunicar com os seus diferentes públicos. É uma peça lindíssima, de um compositor algo desconhecido entre nós." André Santos, 9/10/2020 (Flur)

English

Pianist Joana Gama performs ‘The Book of Sounds’ (Das Buch der Klãnge, 1979 - 1982) by German composer Hans Otte (1926 - 1997), a masterpiece of the piano repertoire.
Performed for the first time by the composer in 1983 – and for the first time in Portugal by the pianist in 2020 – this work, with its placid, repetitive nature, invites us to stop and contemplate.
Divided into twelve parts, the work was perfectly described by Herbert Henck, the renowned pianist who recorded The Book of Sounds for the label ECM: ‘Withdrawal, transparency and austerity are the hallmarks of this music.’ And, beyond the music, it is the composer himself who guides us in the enjoyment of this piece: ‘It is an old dream of mine that the nature of sounds is discovered and that they are not used to express something else.’

‘Joana Gama is a pianist who is special, different, who invests in her work a generous amount of study, exploration and experimentation.’ Rui Miguel Abreu 7/10/20 (Rimas e Batidas)

‘This can be said of many artists. In this case it is true. Joana Gama is a rare case. She is a pianist with the versatility, openness and readiness of the greats. She is classically trained, but while she was still finishing her training, she realised there were other places she could go. It was on one of these ‘diversions’ that we met, on ‘Quest,’ her first album with Luís Fernandes.
Some know her for her Satie marathons, others, specifically, for these diversions. Some know her for all of it. ‘The Book of Sounds,’ by Hans Otte, which is being performed today at Culturgest, at 9pm, has the virtue of being a work that can communicate with its different audiences. It is a beautiful piece, by a composer who is not yet well known in Portugal.’ André Santos, 9/10/2020 (Flur)