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Concerto... O Bando de Surunyo

4 DEZEMBRO 2020
21h30 ONLINE

O concerto tem lugar, no dia e hora marcados, nas seguintes plataformas
The concert takes place, on the scheduled day and time, on the following platforms

Youtube LIVE Fora do Lugar
 
Hugo Sanches

Hugo Sanches

O BANDO DE SURUNYO

Eunice Abranches d’Aguiar, soprano
Raquel Mendes,
soprano
Helena Correia
, alto
Carlos Meireles
, tenor
Sérgio Ramos
, barítono
Hugo Sanches
, alaúde & direcção


Ũa enselada ibérica \An Iberian Enselada

As conexões musicais peninsulares no "Siglo de Oro"
Musical connections in the Iberian Peninsula during the Golden Age

“Docere, delectare, movere”: ensinar, deleitar, comover Cícero ('De Oratore', 55 a.C.)
‘Docere, delectare, movere’: to teach, to delight, to move Cicero (De Oratore, 55 B.C.)


PROGRAMA \ PROGRAMME

Portugal e Espanha foram palco, durante os séculos XVI e XVII, de uma das eras mais notáveis de produção poética e musical da história da cultura europeia. As fontes documentais que chegaram até nós aportam uma visão de um extraordinário dinamismo na circulação e partilha de música, poesia e teatro no mundo ibérico de então através de redes diversificadas de relações institucionais e pessoais constituídas por mestres de capela, poetas, músicos e até mesmo reis. É neste fervilhante contexto que foi escrita a música e poesia que aqui apresentamos, organizada em cinco quadros temáticos que ilustram alguns dos principais géneros musicais e temáticas poéticas do renascimento e primeiro barroco ibéricos: ‘Da queda e da redenção’; ‘Do amor terreno’; ‘Do amor divino’; ‘Da esperança’; ‘Da condição humana’.
'Ensalada' é a designação de um importante género poético-musical cultivado na Península durante os séculos XVI e XVII. Caracterizada como uma ‘colagem’ de diferentes estilos e registos poéticos-musicais, ensalada apresenta-se assim com suma propriedade como título para este programa onde se poderá escutar alguma da extraordinária música e poesia que então se cantava em Portugal e Espanha.

During the 16th and 17th centuries, Portugal and Spain were the stage for one of the most notable eras of poetic and musical production in the history of European culture. Documentary sources that have survived until today provide a vision of an extraordinary dynamism in the circulation and distribution of music, poetry and theatre in the Iberian world of the time, through diverse networks of institutional and personal relationships consisting of chapel masters, poets, musicians and even kings. It was in this vibrant context that the music and poetry we are presenting here was written, organised into five thematic frameworks that illustrate some of the main musical genres and poetic themes of the Iberian renaissance and early baroque: ‘Da Queda e da Redenção’ [Of the Fall and of Redemption]; ‘Do Amor Terreno’ [Of Earthly Love]; ‘Do Amor Divino’ [Of Divine Love]; ‘Da Esperança’ [Of Hope]; ‘Da Condição Humana’ [Of the Human Condition].
‘Ensalada’ is the name of an important poetic and musical genre cultivated in the peninsula during the 16th and 17th centuries. Characterised as a ‘collage’ of different poetic and musical styles and registers, ensalada is thus fittingly presented as a title for this programme where we will be able to listen to some of the extraordinary music and poetry that used to be sung in Portugal and Spain.

DA QUEDA E DA REDENÇÃO
1. El fuego – ensalada a 4, Espanha/pub. Praga, 1581, Mateo Flecha (1481-1553)
2. Pater Peccavi – motete a 5, Portugal/pub. Antuérpia, 1623, Duarte Lobo (c. 1565 – 1646)
3. Aquam quam ego dabo – motete a 5, Portugal/ Lisboa, 1648, Manuel Cardoso (1566 - 1650)

DO AMOR TERRENO
4. La mas luzida belleza – romance a 4, Portugal/Coimbra, c. 1642/45, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra

DO AMOR DIVINO
5. Apuestan zagales dos – vilancete a 5, Espanha/pub. Veneza, 1589, Francisco Guerrero (1528-1599)
6. Dexad al niño que llore – letrilha ao divino a 5, Portugal/Coimbra, c. 1650, Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra

DA ESPERANÇA
7. Todo quanto pudo dar – vilancete a 4, Espanha/pub. Veneza, 1589, Francisco Guerrero (1528-1599)

DA CONDIÇÃO HUMANA
8. La bomba – ensalada a 4, Espanha/pub. Praga, 1581, Mateo Flecha (1481-1553)


O Bando de Surunyo

O Bando de Surunyo

BIOGRAFIAS

Criado em 2015, o Bando de Surunyo é um ensemble português especializado na interpretação de música dos séculos XVI e XVII. O nome é retirado de um vilancico seiscentista português e significa “bando de estorninhos”. O ensemble é a frente interpretativa e laboratorial de um projecto multidisciplinar que incide particularmente sobre repertório inédito albergado por fontes portuguesas, apresentando em quase todos os seus concertos obras inéditas em primeira audição moderna. O projecto abrange também música tanto de aquém como de além-fronteiras, tendo como objectivo proporcionar ao público e hoje o contacto com a pluralidade, ecletismo e riqueza do pensamento e imaginário do renascimento e barroco europeus, através da música e da poesia.
A íntima relação entre som e palavra que emerge na música na transição do Quinhentos para o Seiscentos é o eixo central da abordagem d’O Bando de Surunyo ao estudo e interpretação do repertório. O som colocava-se então ao serviço do texto, veiculando, ilustrando e potenciado o seu conteúdo poético e afectivo. A transmissão eficaz e eloquente desse conteúdo nas suas múltiplas leituras e funções — literal, teatral, histórica, simbólica, religiosa, política e filosófica —, constitui a base para a construção de uma concepção interpretativa que persegue hoje o mesmo objectivo da música de então: divertir e comover o público através da palavra, do gesto e do som. Todo o projecto assume, pois, um alcance estético e comunicativo alargado através do qual, fazendo uso de práticas interpretativas e sonoridades históricas, se procura criar um objecto artístico pertinente, significativo e impactante para o público de hoje.
O Bando de Surunyo tem realizado concertos de norte a sul de Portugal e no estrangeiro, destacando-se os seguintes: IV, V, VI, VII e VIII Jornadas Musicológicas Mundos e Fundos (Coimbra, 2015-2019); II Festival Internacional de Dança Portingaloise (V. N. Gaia, 07/2016); V Festival de Música Antiga Sons Antigos a Sul (Lagos, 08/2016); 3º Festival Internacional de Guitarra de Lagoa (Lagoa, 09/2016); Ciclos Musicórdia MMXVI e MMXVIII (Esposende, 2016 e 2018); Ciclo Cultura Viva - Fundação Manuel António da Mota (Porto, 12/2016); III Festival Internacional de Guitarra de Braga (Braga, 02/2017); Ciclo Sons do Caminho (Caminha, 04/2017); IX Festival dos Descobrimentos (Lagos, 05/2017); Festival Internacional Gaia todo um mundo (V. N. Gaia 06/2017); Festival CA Noroeste (Ponte da Barca 03/2018); Música em SI Maior (ciclo de música barroca) - temporadas 2018 e 2019 (Loures); Dia Especial de Natal Euroradio / Antena 2 com transmissão radiofónica mundial (Lisboa, 12/2018); 1º Ciclo de Música Barroca (Cambados, Espanha, 08/2019); 8º Festival Internacional de Música Antiga Abvlensis (Ávila, Espanha, 08/2019); Encontros Internacionais de Música Antiga de Loulé Francisco Rosado (Loulé, Portugal, 10/2019); Festivais de Outono (Aveiro e Águeda, 11/2019); Sons da Cidade (Coimbra, 06/2020).

Hugo Sanches

Apaixonado pela música dos séculos XVI e XVII, tanto pela prática interpretativa como pela teoria e pensamento estético e filosófico, doutorou-se em 2019 em Estudos Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) com distinção e louvor, sendo ainda mestre e licenciado em música antiga pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE – Porto).
É professor na ESMAE, onde lecciona teoria e prática interpretativa histórica, alaúde, música de câmara e baixo contínuo. É ainda professor convidado da FLUC.
Colaborou e gravou com diversos agrupamentos nacionais e estrangeiros especializados em música renascentista e barroca, tais como Arte Mínima, Orquestra Barroca da Casa da Música, Sete Lágrimas, Orquestra Vigo 430, Ensemble Norte do Sul, Orquestra Barroca de Veneza, Os Músicos do Tejo, entre outros. Actuou em festivais e ciclos tais como Festival Internacional de Música de Espinho, “La Folle Journée”, Festival de Música Antigua de Úbeda y Baeza (Espanha), Festival Abvlensis (Espanha), Encontros de Música Antiga de Loulé, Festival Terras sem Sombra, Festival Internacional de Música da Madeira, Música em São Roque, Festival Via Stellae (Galiza), Stockholm Early Music Festival (Suécia), Festival Mozart Rovereto (Itália), Festival de Sablé (França), entre outros.
No âmbito da música contemporânea estreou e gravou obras de compositores como João Madureira, Ivan Moody, Andrew Smith (todos com o ensemble Sete lágrimas) e Dimitris Andrikopoulos. 
É investigador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da FLUC desde Março de 2013 onde se dedica ao estudo e edição do repertório musical português do século XVII. 
Dirige O Bando de Surunyo, ensemble que criou em Setembro de 2015, dedicado à interpretação e divulgação de música ibérica e europeia dos séculos XVI e XVII, contando-se entre o repertório do grupo a estreia moderna de mais de três dezenas de obras inéditas de fontes portuguesas seiscentistas.

BIOGRAPHIES

Created in 2015, Bando de Surunyo is a Portuguese ensemble specialised in the interpretation of music from the 16th and 17th centuries. The name is taken from a seventeenth-century Portuguese villancico and means ‘flock of starlings’. The ensemble is the interpretative and laboratorial front of a multidisciplinary project which focusses, in particular, on an unheard repertoire of Portuguese origin, presenting in almost all their concerts works that have not yet been performed in modern times. The project also encompasses music from abroad, with the aim of bringing the public of today into contact with the plurality, eclecticism and wealth of thought and imagination of the European renaissance and baroque, through music and poetry.
The intimate relationship between sound and word that emerges in the music of the turn of the seventeenth century is the primary focus of Bando de Surunyo's approach to the study and interpretation of this repertoire. Sound would put itself at the service of text, conveying, illustrating and enhancing its poetic and affective content. The efficient and eloquent transmission of this content in its multiple readings and functions – literal, theatrical, historical, symbolic, religious, political and philosophical – constitutes the basis for the construction of an interpretive conception that today still pursues the same objective as music did then: to entertain and move the public through the word, the gesture and sound. The whole project therefore assumes a broad aesthetic and communicative scope through which, making use of interpretive practices and historical sonorities, it aims to create an artistic object which is pertinent and meaningful and which makes an impact on the public of today.
Bando de Surunyo has played concerts from the north to the south of Portugal and abroad, including: The 4th, 5th, 6th, 7th and 8th editions of the musicological conferences Mundos e Fundos (Coimbra, Portugal, 2015-2019); the 2nd Portingaloise International Festival of Early Music and Dance (Vila Nova de Gaia, Portugal, 07/2016); the 5th Festival of Early Music Sons Antigos a Sul (Lagos, Portugal, 08/2016); the 3rd International Guitar Festival of Lagoa (Lagoa, Portugal, 09/2016); MusiCórdia MMXVI and MMXVIII (Esposende, Portugal, 2016 and 2018); Cultura Viva – Fundação Manuel António da Mota (Porto, Portugal, 12/2016); the 3rd International Guitar Festival of Braga (Braga, Portugal, 02/2017); Sons do Caminho (Caminha, Portugal, 04/2017); the 9th Discoveries Festival (Lagos, Portugal, 05/2017); the International Forum Gaia Todo um Mundo (Vila Nova de Gaia, Portugal, 06/2017); Festival CA Noroeste ao Vivo (Ponte da Barca, Portugal, 03/2018); the baroque music series Música em SI Maior (2018 and 2019 seasons, in Loures, Portugal); the concert Dia Especial de Natal Euroradio / Antena 2 with worldwide radio broadcast (Lisbon, 12/2018); the 1st Barroque Music Series (Cambados, Spain, 08/2019); the 8th Abvlensis International Festival of Early Music (Ávila, Spain, 08/2019); International Meetings of Early Music in Loulé – Francisco Rosado (Loulé, Portugal, 10/2019); Autumn Festivals (Aveiro and Águeda, Portugal, 11/2019); and Sons da Cidade (Coimbra, Portugal, 06/2020).

Hugo Sanches

Hugo Sanches is fascinated by music from the 16th and 17th centuries, both its interpretive practice and its aesthetic and philosophical theory and thought. He completed his Doctorate in Musical Studies in 2019 at the Faculty of Letters of the University of Coimbra (FLUC) with distinction and commendation. He also has a master’s and bachelor’s degree in early music from the School of Music and Performing Arts in Porto (ESMAE).
He is a professor at ESMAE, where he teaches historical interpretive theory and practice, lute, chamber music and basso continuo. He is also a visiting lecturer at FLUC.
He has collaborated and recorded with various national and international groups specialised in renaissance and baroque music, such as Arte Mínima, Casa da Música's Baroque Orchestra, Sete Lágrimas, Orquestra Vigo 430, Ensemble Norte do Sul, Venice Baroque Orchestra and Os Músicos do Tejo, among others. He has performed in festivals and series such as Espinho International Music Festival (Portugal), La Folle Journée, Úbeda and Baeza Early Music Festival (Spain), Abvlensis Festival (Spain), International Meetings of Early Music in Loulé (Portugal), Terras sem Sombra Festival (Portugal), Madeira International Music Festival (Portugal), Música em São Roque (Portugal), Via Stellae Festival (Galicia), Stockholm Early Music Festival (Sweden), Mozart Rovereto Festival (Italy) and Sablé Festival (France), among others.
In the field of contemporary music he has débuted and recorded works by composers such as João Madureira, Ivan Moody, Andrew Smith (all with the ensemble Sete Lágrimas) and Dimitris Andrikopoulos. 
Since March 2013, he has been a researcher at the Centre of Classical and Humanistic Studies at FLUC, where he studies and publishes works from the Portuguese musical repertoire of the 17th century. 
He directs Bando de Surunyo, an ensemble he created in September 2015, dedicated to the interpretation and dissemination of Iberian and European music from the 16th and 17th centuries. The group’s repertoire includes the modern début of over three dozen unheard works from 17th-century Portugal.


NOTAS

A Península Ibérica apresenta, durante os séculos XVI e XVII, um riquíssimo quadro cultural que, alicerçado sobre uma matriz de pensamento comum a toda a Europa, possui, no entanto, características que lhe são distintivas. Tendo como eixo cronológico a união monárquica sob égide da dinastia filipina (1581-1640), Portugal e Espanha comungam de uma unidade ao nível da produção poética, musical e teatral que não só é anterior à coroa dual – encontrando-se já bem manifesta no terço final da dinastia de Avis – como persiste após a Restauração da Independência. 
Durante cerca de século e meio, circularam livre e intensamente pessoas, textos e música no espaço peninsular, originando uma das eras mais notáveis da história da cultura europeia. Mediado pelo castelhano enquanto língua franca (mas de modo algum exclusiva), geraram-se múltiplas correntes bidireccionais de influência literária e artística. Gil Vicente e Camões, por exemplo, são figuras de fulcral importância para a poesia e teatro castelhanos. Inversamente, a revolução poética iniciada por Luis de Góngora na década de 1580 e a 'Comedia Nueva' preconizada por Lope de Vega no virar do século, marcaram profunda e incontornavelmente a cultura portuguesa durante os primeiros dois terços do Seiscentos. Neste vasto e rico sistema de vasos comunicantes a música constitui um fenómeno plástico e em constante fluxo. As fontes documentais que chegaram aos nossos dias aportam uma visão de um dinamismo extraordinário na circulação e partilha de música e textos poéticos e teatrais no mundo ibérico do Quinhentos e Seiscentos, através de redes diversificadas de relações não só institucionais mas também pessoais nas quais intervinham mestres de capela, poetas, nobres, copistas de música profissionais, cantores, capelães, familiares dos músicos e até mesmo os próprios reis. É neste fervilhante contexto que foi escrita a música e poesia que aqui apresentamos, organizada em cinco quadros temáticos que ilustram alguns dos principais géneros musicais do renascimento e primeiro barroco ibéricos: “Da Queda e da Redenção”; “Do Amor Terreno”; “Do Amor Divino”; “Da Esperança”; “Da Condição Humana”.
'Ensalada' é a designação de um importante género poético-musical cultivado na Península durante os séculos XVI e XVII. A definição mais antiga que se conhece do termo encontra-se na 'Arte poética española' (1592) de Juan Díaz Rengifo que a descreve como uma composição na qual se utilizam variados tipos de verso em diferentes idiomas ao “alvedrio do poeta”, acrescentando que “segundo a variedade de letras se vai mudando a música”. No entanto, a primeira ocorrência do termo provém de Portugal mais de oito décadas antes. O Auto da Fé de Gil Vicente, representado nas Matinas de Natal em 1509 ou 1510, termina com a seguinte didascália: 
“Cantam a quatro vozes ũa enselada que veio de França, e assi se vão com ela, e acaba a obra.”
Caracterizada como uma “colagem” de diferentes géneros, estilos, ambientes e registos poéticos-musicais, ensalada apresenta-se assim com propriedade como título para este concerto onde percorremos a extraordinária paleta de música e poesia que então se cantava em Portugal e Espanha.
O concerto abre e fecha – como, de resto, o próprio título imporia – com duas ensaladas, ambas do compositor catalão Mateo Flecha, expoente máximo do género no século XVI. Chamando a si os diferentes procedimentos e técnicas de construção poético-musical então em uso, “El fuego” e “La bomba” desenham obras de uma teatralidade impactante. “El fuego” é um políptico poético-musical sobre o pecado e a redenção, simbolizados respectivamente pelo fogo e pela água. A temática é glosada com uma enorme riqueza descritiva e imagética, sendo a dimensão metafórica do texto eloquentemente espelhada pela variedade de quadros musicais que desfilam no decurso da obra. “La Bomba”, por sua vez, é uma obra satírica de forte influência vicentina, não só pela ironia e humor com que retrata certas fragilidades da natureza humana, como pela inclusão no texto de diversas passagens da tragicomédia de Gil Vicente, o “Triunfo do Inverno”.
O nosso programa inclui alguns exemplares do riquíssimo legado musical seiscentista do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, então um dos mais importantes centros musicais e culturais da Península. A música do mosteiro chegou até nós em 16 cadernos contendo mais de 2500 páginas manuscritas com uma quantidade assombrosa de obras, exibindo uma riqueza e diversidade que fazem desta colecção um dos maiores tesouros do património imaterial português e europeu do Seiscentos. Foi aqui que o nosso ensemble encontrou o seu nome, mais precisamente no vilancico de negro: “A minino tam bonitio”. Nele, a líder de um festivo grupo de africanos canta versos de grande ternura ao menino Jesus recém-nascido, ao mesmo tempo que anuncia o bem que este trará à humanidade. No entanto, a trupe faz um alarido tal que ela se vê obrigada a repreendê-los, chegando mesmo ao ponto do insulto, chamando aos companheiros: “Mas que bando de surunyo!” (“mas que bando de estorninhos!”). A indignação, no entanto, é passageira e o grupo prossegue alegremente com a celebração. 
A extraordinária polifonia – quer em latim, quer em vernáculo – que se praticava em Portugal e Espanha nos séculos XVI e XVII encontra-se representada também pelas penas de Pedro Escobar, Francisco Guerrero, Gabriel Díaz, Duarte Lobo e Manuel Cardoso. Os vilancetes e letrilhas de Guerrero e Díaz são notáveis pela forma como congregam um grande virtuosismo contrapontístico com uma absoluta clareza na veiculação dos textos poéticos e dos respectivos carácteres (burlesco, humorístico ou devocional). Por sua vez, os motetes dos portugueses Escobar, Lobo e Cardoso são extraordinários exemplos de como a música era então empregue ao serviço do “pathos” (apelo retórico à emoção), munindo os textos em latim de uma pungência que vai muito além daquela que as palavras, por si só, conseguiriam alcançar.

NOTES

During the 16th and 17th centuries, the Iberian Peninsula presented a very rich cultural framework which, based on a matrix of thought common to all of Europe, nevertheless possessed distinctive characteristics. In the chronological context of monarchic union under the aegis of the Philippine Dynasty (1581-1640), Portugal and Spain shared a common poetic, musical and theatrical production that not only predated the dual crown – already evident in the latter third of the Avis Dynasty – but which persisted after the Restoration of Independence. 
For approximately a century and a half, people, texts and music circulated freely and intensely throughout the peninsula, leading to one of the most notable eras in the history of European culture. Mediated, though by no means exclusively, by Castilian as a lingua franca, multiple two-way currents of literary and artistic influence came about. Gil Vicente and Camões, for example, are crucial figures in Castilian poetry and theatre. Conversely, the poetic revolution begun by Luis de Góngora in the 1580s and the 'Comedia Nueva’ advocated by Lope de Vega at the turn of the century profoundly and inevitably marked Portuguese culture during the first two thirds of the 1600s. In this vast and rich system of communicating vessels, music constituted a plastic phenomenon in a constant state of flux. Documentary sources that have survived until today provide a vision of an extraordinary dynamism in the circulation and distribution of music and poetic and theatrical texts in the Iberian world of the 1500s and 1600s, through diverse networks of not just institutional but also personal relationships involving chapel masters, poets, nobles, professional music copyists, singers, chaplains, musicians’ relatives and even kings themselves. It was in this vibrant context that the music and poetry we are presenting here was written, organised into five thematic frameworks that illustrate some of the main musical genres of the Iberian renaissance and early baroque: ‘Da Queda e da Redenção’ [Of the Fall and of Redemption]; ‘Do Amor Terreno’ [Of Earthly Love]; ‘Do Amor Divino’ [Of Divine Love]; ‘Da Esperança’ [Of Hope]; ‘Da Condição Humana’ [Of the Human Condition].
Ensalada is the name of an important poetic and musical genre cultivated in the peninsula during the 16th and 17th centuries.  The oldest known definition of the term can be found in Arte Poética Española [Spanish poetic art] (1592), by Juan Díaz Rengifo, which describes it as a composition in which various types of verse in different languages are used in line with ‘the free will of the poet’, adding that ‘the music changes according to the variety of words’. However, the first occurrence of the term comes from Portugal, over eight decades earlier. Gil Vicente’s Auto da Fé, performed on Christmas morning in 1509 or 1510, ends with the following stage direction: 
‘They sing, in four voices, an enselada from France, and thus depart, and the play ends.’ 
Characterised as a ‘collage’ of different poetic and musical genres, styles, environments and registers, ensalada is thus fittingly presented as a title for this concert where we look through the extraordinary palette of music and poetry that used to be sung in Portugal and Spain.
The concert opens and closes – as the title itself would demand – with two ensaladas, both by Catalan composer Mateo Flecha, the greatest exponent of the genre in the 16th century. Invoking the different procedures and techniques of poetic and musical construction in use at the time, ‘El fuego’ and ‘La bomba’ are works of an impressive theatricality. ‘El fuego’ is a poetic and musical polyptych about sin and redemption, symbolised by fire and water respectively. The theme is developed with an enormous descriptive and pictorial richness, with the metaphorical dimension of the text eloquently reflected in the variety of musical frameworks presented over the course of the work. ‘La Bomba’, in turn, is a satirical work highly influenced by Gil Vicente, not only because of the irony and humour with which it portrays certain fragilities of human nature, but also due to the inclusion in the text of various passages of Gil Vicente’s tragicomedy, Triunfo do Inverno  [The Triumph of Winter].
Our programme includes several examples of the extremely rich seventeenth-century musical legacy of the Santa Cruz Monastery in Coimbra, one of the most important musical and cultural centres of the peninsula at the time. The monastery’s music has survived until today in 16 books containing over 2500 handwritten pages with an astonishing quantity of works, exhibiting a wealth and diversity that make this collection one of the greatest treasures of Portuguese and European intangible heritage of the 1600s. It was here that our ensemble found its name, more precisely in the black villancico: ‘A minino tam bonitio’ [The most beautiful child]. In it, the leader of a merry group of Africans sings tender verses to the baby Jesus, announcing, at the same time, the good he will bring to humanity.  However, the troupe makes such a racket that she is forced to reprimand them to the point of insult, calling her companions: ‘Mas que bando de surunyo!’ [What a flock of starlings!]. The indignation, however, is short-lived and the group happily carries on with the celebration. 
The extraordinary polyphony – both in Latin and in the vernacular – that was practised in Portugal and Spain in the 16th and 17th centuries is also represented in the quills of Pedro Escobar, Francisco Guerrero, Gabriel Díaz, Duarte Lobo and Manuel Cardoso. The villancicos and letrillas of Guerrero and Díaz are remarkable in the way that they bring together a great contrapuntal virtuosity with an absolute clarity in the transmission of poetic texts and their respective natures (burlesque, humorous or devotional). The motets of Portuguese composers Escobar, Lobo and Cardoso, in turn, are extraordinary examples of how music at the time was employed at the service of the ‘pathos’ (a rhetorical appeal to emotion), providing texts in Latin with a poignancy that went far beyond that which words could manage on their own.


IMPRENSA

“La fabrica de la belleza” - Inés Mogollón, musicóloga (Centro de Estudios "Tomás Luis de Victoria", 30/08/2019)

“La interpretación de O Bando de Surunyo fue de lo mejor del festival. [...] Estos “estorninos” portugueses dignificaron la música ibérica del Siglo de Oro elevándola a poesía sonora, popular, culta y llana. Disfrutaban cantando, conjuntando sus hermosas voces en distintas combinaciones vocales y, lo mejor de todo: nos emocionaron e hicieron disfrutar. [...] Ni una sola de las obras con que nos deleitaron tiene desperdicio. ¡Ni una sola! ¡Y ojalá hubiéramos tenido más! ¡Que nadie se pierda el oro de estos estorninos portugueses y sonoros!” - Michael Thallium (Revista Scherzo, 02/09/2019)

PRESS

‘A factory of beauty’ - Inés Mogollón, musicologist (Tomás Luis de Victoria Research Centre, 30/08/2019)

‘Bando de Surunyo’s performance was the best in the festival. [...] These Portuguese ‘starlings’ dignified Iberian music of the ‘Siglo de Oro’, elevating it to popular, cultured and straightforward sound poetry. They enjoyed themselves singing, combining their beautiful voices in different vocal combinations and, best of all: they moved us and made us enjoy ourselves. [...] Every single one of the works they delighted us with was outstanding. Every single one! If only we could have had more! Nobody should miss out on these sonorous Portuguese starlings!’ - Michael Thallium (Scherzo magazine, 02/09/2019)

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Noite Cheia [programa e lugar secretos]
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Encontro... Galandum Galundaina